Justiça literária

gavetas com cartas de imigrantes no Museu da Imigração, em São Paulo, por Ricardo Imaeda

Finalmente um prêmio como o Nobel de Literatura vai para um grande escritor. Esta página está feliz pela escolha de Kazuo Ishiguro neste ano. ‘Não me abandone jamais’ é um dos livros desconcertantes do final do século XX. Mais que uma antevisão de um futuro distópico, é uma reflexão sobre a própria concepção de utilidade a que são criados os seres humanos. Meros fornecedores de órgãos para outros, reserva de esperança para quem tem condições de pagar mais, criaturas-objeto a serviço de um mercado, experimentos científicos que se angustiam com a finalidade programada e buscam escape. Lembra ‘Blade runner’, o filme de Ridley Scott ou ‘Androides sonham com ovelhas elétricas?’, de Philip Dick, que serviu de base para o filme.

A escrita de Ishiguro é lâmina que corta e revela, transparente mas matizada, embaçada por um sentimento que não sabe onde caber e sulca a trilha por onde vaga.

Os contos de ‘Noturnos’ vêm em outra atmosfera, mais leve e amena. São histórias sobre músicas e anoitecer em locações diversas. Trazem a lembrança, o sabor de incidentes ou encontros felizes, engraçados, decisivos. Na aparente despretensão das narrativas Ishiguro sublinha a força de coisas imateriais, como uma canção, que passam a significar tanto mais na sequência de cada vida.

Há outros livros dele para ler e celebrar.

 

Sobre Ricardo Imaeda

Um amigo. Em passagem por terras estranhas, imigrante nativo. Tem aprendido com todas as formas de vida. Gosta de cidades e montanhas, árvores e culturas. Anda por um caminho temperado pelo zen, na incerteza de cada dia. Escreve para compreender, para encontrar.
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